8ª Conferência: À mesa entre os irmãos: os Capítulos Gerais
“Disse também que por aquele tempo em que se celebrou o primeiro capítulo dos frades Pregadores em Bolonha, frei Domingos disse aos frades: sou um homem inútil e desprezível e, por isso, digno de ser deposto. E humilhou-se muito em tudo. Como os frades não o quiseram depor, pareceu bem a fr. Domingos que nomeassem definidores que tivessem poder tanto sobre ele como sobre os outros e sobre o capítulo, para determinar definir e mandar enquanto durasse o capítulo”.
Este texto é o testemunho de fr. Rodolfo no processo de Bolonha para a canonização de S. Domingos reporta-se aos fatos acontecidos no 1º Capítulo Geral, que se realizou em Bolonha no Pentecostes de 1220.
Confesso que, ao preparar este texto o retomar desta fonte me emocionou profundamente. A questão não é tanto a sua humildade, verdadeira contagiante, como sobretudo a sua lucidez, o sentido de governo que vai muito além dos mais modernos conceitos de democracia. A instituição dos definidores, figura que subsiste nos nossos capítulos gerais e provinciais, é de uma abertura, rasga as visão sobre o modo de construir um projeto comum.
Num dos exames pedidos pelas LCO não me lembro se para a 1ª Profissão, se para a profissão solene, um dos examinadores colocou-me uma inusitada pergunta que pôs em confusão. Perguntava quais tinham sido os dois “échecs” de Domingos. Depois percebi o primeiro era aquele que o texto acima refere. Domingos pediu para ser relevado da sua missão, além da humildade queria realizar o seu grande desejo de ir evangelizar os cumanos. O segundo foi ter visto recusada pelo capítulo a ideia que tinha de entregar a administração das casas aos irmão cooperadores. Parece ser que os frades tinham conhecimento do desaire acontecido numa Ordem chamada de Grandmont onde os irmãos leigos a quem tinha sido confiada a administração dos mosteiros, tinham tratado muito mal os clérigos.
S. Domingos aceitou e acatou as decisões dos irmãos mesmo, porventura, aquelas que não seriam as suas como acabamos de indicar. Na melhor tradição da Ordem a voz importante é a do capítulo e não a pessoa do superior. Chamamos capítulo à reunião dos irmãos que se juntam para deliberar e este capítulo pode ser geral, provincial ou conventual. Na redação das nossas leis existem estes três níveis, o Mestre da Ordem, os priores provinciais e locais de alguma maneira obedecem às determinações do capítulo. A Ordem e a vida das comunidades não são uma “quinta” de ninguém nascem de um projeto comum, o superior mais que decisor é o executor. Nesta perspetiva vê-se bem como a autoridade é um serviço e não um poder discricionário.
Aprendi muito com o anterior Mestre Geral na maneira de exercer a autoridade. Tinha encontros regulares com ele e nesses encontros fazia-se a avaliação da forma como, no meu caso estava a levar por diante as decisões do Capítulo Geral acerca do Laicado. É uma forma de governo não gerida pelas decisões pessoais de ninguém, antes gerida pela decisão de todos, representados no Capítulo.
É com uma certa ligeireza que falamos de democracia no governo da Ordem. Porém nem sempre percebemos o alcance dela e a primeira coisa é não deixar sem mais carta branca nas mãos de um superior, em todo o tempo este deve sujeitar-se às decisões de todos e deve dar contas do seu exercício de uma forma clara. Entre nós, de fato, é chamado a encarnar a figura do servo e não do patrão.
Como já tínhamos dito anteriormente esta visão regulou toda o governo de S. Domingos em decisões como as da escolha da Regra entre 1215 e 1216. O seu governo identifica-se com o seu desejo de ser sepultado sob os pés dos irmãos, ideia que me faz pensar tanto e tantas vezes.
Como dissemos logo no início, a pintura da Mascarella bem pode dar a ideia do que aconteceu no primeiro capítulo. No capítulo Domingos comporta-se como um irmão entre os irmãos.
Confesso que esta ideia de governo que liga palavras como consenso, decisão comum, perceção de uma nova forma de liderança nem sempre me foi fácil fazer compreender pelo laicado dominicano que pelo seu estilo de vida laical têm que conviver com outros tipos de governo e de liderança, mas creio bem que mesmo na Igreja e este modo de ver as coisas soa a raridade.
Uma das notas que este quadro oferece é a dimensão de fraternidade, o cargo não dá poleiro, desculpem a expressão. Aqui nada distingue Domingos a não ser a auréola que nimba o seu vulto indicadora da única autoridade a afirmar em fraternidade que é a da santidade.
Uma das consequências deste modo tão inovador de ver as coisas: a rotatividade nos serviços. Um dia é-se o prior (primeiro) no serviço e no outro é-se um irmão entre os irmãos. A rotatividade é uma bênção na estrutura da Ordem, faz perceber que a Ordem é algo que pertence a todos, onde todos, quando toca têm de assumir as responsabilidades, e depois deixa com lúcida e fraterna alegria que outros assumam o a sua parte.
Um dia o fr. Bruno contava que em determinada Província certo religioso quando falava do Provincial dizia sempre o Provincial deles (pelos vistos não era o seu candidato. A atitude dominicana diante da ação governativa é totalmente diferente: quando se toma uma decisão em comum essa passa a minha decisão. Não é a decisão deles ou delas, é a decisão da comunidade. Às vezes percebo aqui ou além uma falta de solidariedade institucional, parece que a decisão de todas não é assumida por cada um. A forma de governo dominicana exige uma grande maturidade humana. Recordo uma leiga dominicana italiana que quando lhe falava destas coisas comentava:” para isso é preciso muita maturidade”, maturidade e forma de governo que é transversal a todos os ramos da Família Dominicana.
Das experiências mais belas que pude fazer foi caminhar com IDYM para os fazer compreender como se vive a liderança na vida dominicana onde o mais importante será sempre ser irmão entre os irmãos segundo aquilo que vemos na representação da Mascarella.
Fr. Rui Carlos Almeida Lopes, OP