10ª Conferência: À mesa com os Anjos
“Além disso não deve passar-se em silêncio que quando os frades viviam em S. Sixto de Roma, e sofriam com frequência de grande pobreza no necessário, porque as pessoas ainda não conheciam a Ordem, sucedeu que em certo dia que o procurador dos frades, frei Santiago de Melle, romano, não tinha pão para dar aos irmãos. Foram, pois, enviados alguns irmãos a pedir esmola e bateram a muitas portas (…) de aqui resultou que só conseguiram um pouco de pão, muito pouco mesmo. Chegava a hora da refeição e o procurador dirigiu-se ao Servo de Deus, Domingos, que ali se encontrava para lhe expor esta aflição. Ele, porém, alegrou-se interiormente e, com semblante alegre, bendisse a Deus, como que animado por uma confiança que lhe vinha do alto. Conformando-se com aquele pouco mandou ao que tinha o pão que o partisse e distribuísse pela mesa. Viviam então naquele convento cerca de quarenta frades. Dado o sinal, foram os irmãos para o refeitório e cantaram a bênção da mesa com voz alegre. Depois de ter sido dada a ordem de se sentarem tomou cada um o bocadito de pão que cada um tinha diante de si e repartiram-no com alegria. Mas eis que dois jovens vestidos da mesma maneira e de aparência igual entraram no refeitório trazendo as pregas da capa, que lhes pendia do ombro, cheias de pães, com a qualidade com os tinha amassado o padeiro que os enviava. Ofereceram-nos em silêncio, começando pela cabeceira da mesa onde estava sentado o homem de Deus, Domingos. Este estendeu a mão para os frades que estavam à sua volta dizendo-lhes: “agora irmãos, comei”. Nada duvidou que isto foi intervenção divina, pelos méritos do servo de Deus Domingos, como o testemunham os frades que sobrevivem de entre os que então estavam presentes”.
É com estas palavras que Constantino de Orvieto descreve uma passagem da vida de S. Domingos que ficou conhecida como a refeição dos Anjos. Um autor dominicano dos nossos tempos fala assim do milagre:
“Un dia em que faltó el pan, em el convento de San Sixto
Tu pediste fray Domingo que hubiera pán para tus hijos
Y de pronto el refectorio fué testigo de um milagro
Tus frailes viéron dos angeles
Sirviendo el pán que pediste
El amor se hizo pán, el amor se hizo vino
El amor se hizo fuego, el amor se hizo amigo
El amor fue um milagro em tu mesa
Fray Domingo
Visitaron los Angeles, a tus frailes em San Sixto”.
É curioso que na pintura da Mascarella na mesa só descobrimos pão como neste sinal de que se nos fala, parece que representa esta passagem, mas sem a existência de Anjos.
Neste texto cheio de beleza parece-me que o extraordinário, aquilo que projeta força é a alegria em Domingos, nos frades que cantam cheios de alegria pelos dons, ainda que escassos, pela forma como na alegria repartem o pão. As passagens das vidas dos primeiros irmãos estão cheias de jovialidade e de alegria. Eram parcos de bens, mas ricos de fraternidade.
Gostava de fazer neste encontro algumas reflexões sobre a pobreza, que não se deve confundir com miséria que nunca é fonte alegria. Como quase sempre há um pobreza que é fonte de tristeza e outra que é fonte de alegria.
Há diversos tipos de pobreza. Poderia indicar três tipos: aquela que é fruto da indigência que tanta gente é obrigada pela falta de bens necessários para viver. Tal pobreza não é boa e deve lutar-se contra ela. Depois há uma pobreza que é aquela que as condições em que nos encontramos nos impõe: aquelas coisas que posso ou não posso ter. No caso dos religiosos é mesmo acertada entre os superiores e cada irmão ou irmão, é muitas vezes positiva pois abre-nos à solidariedade limita o nosso apetite no uso das coisas.
Por fim, há um terceiro tipo de pobreza, que foi a escolhida por Jesus: aquela d quem se faz tudo para todos e se faz pobre numa capacidade de doação que implica renúncia não só a coisas materiais, mas a nós próprios numa atitude de inteira e profunda liberdade: foi esta a grande pobreza de Domingos a ser seguida por todos os seus irmãos. É esta pobreza fonte de uma serena alegria.
O texto dá-nos outros dois motivos de reflexão que gostaria de partilhar.
O primeiro seria formulado desta maneira. Tal como nos textos evangélicos conhecidos como a multiplicação dos pães o grande milagre é o da partilha os poucos pães porque partidos e repartidos chegam a todos e saciam. A partilha e o amor fraterno são o verdadeiro milagre que pode saciar, quando da parte de cada um, de cada uma se oferece com sinceridade e disponibilidade o que se tem, então esse escasso dom alcança uma multidão. Preocupa-me a incapacidade de dar o que temos e o que somos, avaramente guardamos os nosso dons. O grão de trigo que é cada um de nós quando morre dá fruto.
As duas pequenas moedas da viúva pobre tornam-se uma riqueza imensa, um património incomensurável. A pequeno pedaço de pão repartido alegrava o rosto dos frades de S. Sixto.
Mas há ainda uma outra experiência que indicia esta experiência da mesa de S. Sixto vivida com Domingos. Aparecem dois tipos de pão, um era bem pouco abundante, o outro era abundantíssimo. O tinha um sabor normal, o outro um sabor especial, de uma massa não amassada por mão humana. Que seria esse pão, donde viria?
Os frades perceberam que esse Pão não tinha proveniência nesta terra, vinha do alto, era dado pelos méritos de S. Domingos. Qual seria esse pão? Atrevo-me a dizer que era o pão da fraternidade que à roda de Domingos somos chama dos a viver, esse pão que sacia por dentro esse Pão que restaura as forças e nos lança na obra da pregação. O pão da fraternidade comida na mesa de Domingos é o Pão que devemos buscar.
Na mesa de Domingos restauramos as forças para continuar a nossa caminhada.
Fr. Rui Carlos Almeida Lopes, OP