11ª Conferência: O testamento de Domingos
“Para que não parecera que deixava os filhos que o Senhor lhe tinha dado, deserdados e faltos de consolo de tão grande Padre, pobre de Cristo, mas rico de fé e coerdeiro do Reino que Deus prometeu aos que o amaram, fez testamento, não de riquezas terrenas, mas de graça, não de coisas materiais, mas de virtudes espirituais; não de possessões terrenas, mas de trato celestial com Cristo. O que possuía isso legava: “Isto irmãos vos deixo em possessão por direito hereditário: tende caridade, perseverai na humildade, possui a pobreza voluntária. Oh testamento de paz! Testamento que não deve apagar-se por esquecimento, não se deve olhar com indiferença, nem mudar por nenhuma ordem que se lhe acrescente”.
Este testamento que se nos é transmitido pelo texto de Pedro Ferrando foi utilizado nas suas sugestões para a pregação pelo B. Humberto de Romans e pelo próprio Papa Gregório IX na sua carta ao Capítulo Geral de 1233. Diria pis que é um texto para levar à letra e não apenas como sugestão espiritual com um conteúdo mais ou menos nebuloso. É uma lição de espiritualidade que nos é oferecida e que devemos ter em alta consideração.
«Il demanda donc à être « sous les pieds de ses frères ». On peut probablement interpréter ce désir comme un signe d’humilité et d’abaissement. Lui qui disait qu’il serait plus utile à ses frères après sa mort veut rendre ce service en écho avec l’abaissement de Jésus, lavant les pieds de ses disciples tel un serviteur. Ainsi, cette détermination de Dominique à propos du lieu de sa sépulture pourrait bien évoquer encore son désir d’être assimilé par la grâce aux gestes même de Jésus. C’est- à-dire de Celui qui n’a pas retenu sa vie, mais a vécu sa proclamation du Royaume, l’enracinant dans le don de sa vie, offerte pour que tous aient la vie et soient accueillis dans la joie de la fraternité. Il veut continuer à être au milieu de ses frères, jusque dans la mort. Tel est le signe de ce don d’une vie « passée » à parler de Dieu avec les hommes et des hommes avec Dieu. Ce signe manifeste ainsi le sens profond de la mendicité itinérante que Jésus a vécue, par laquelle Il a prêché en donnant sa vie. C’est aussi le signe du mendiant qui, par son geste implorant, sollicite l’hospitalité de ses contemporains en même temps qu’il offre de découvrir la vie nouvelle du Royaume. « Il est venu chez les siens… » (Jn 1,11).
Esta expressão é tirada da carta com que fr. Bruno Cadoré anuncia ano jubilar da morte de S. Domingos, carta datada de 6 de Agosto de 2018. O ex Mestre da Ordem fala aqui, do desejo de S. Domingos ser enterrado sob os pés dos seus frades. Assim aconteceu, de fato, na sua morte foi sepultado em sepultura rasa no coro dos frades do convento de Bolonha (o de S. Nicollò delle Vigne). Pa acederem ao local da oração os frades teriam de pisar o túmulo do seu Pai. Apenas em 24 de Maio de 1233 o Mestre da Ordem Beato João de Vercellis ordena que se faça um túmulo novo e digno ao qual se sucede, mas já em 1383 o belíssimo sarcófago conhecido por Arca obra maioritariamente de Nicolau Pisano.
Quer em Bolonha no seu primeiro sepulcro, quer como diz a tradição no convento de Santa Sabina há este contato com a terra. No último como morada depois da morte, em Santa Sabina prostrado em oração sobre o sepulcro do mártires Sabina, Serápia, Papa Alexandre, etc. Dos modos de oração de S. Domingos também nos chega a sua oração em prostração, por terra.
Terra sinal deste mundo amado por ele, onde quis regravar os traços dos passos do Salvador. A espiritualidade de Domingos coloca-nos terra, para que esta recobre a sua vocação, originária pela criação de ser uma coisa boa, Deus viu que tudo o que tina feito era bom, muito bem. Humanidade e criação que a heresia cátara tinha mostrado como coisa má. Tudo na terra é bom é muito bem, é-o igualmente o homem e a mulher, é preciso reconhecer e restaurar essa bondade que às vezes parece fugir porque orgulhosamente quer escapar ao olhar amoroso de Deus.
Terra onde Domingos caminhou descalço para nos mostrar que tudo é terreno sagrado, onde como Moisés há que descalçar as sandálias porque Deus fala nela e para ela como um fogo que a envolve sem a consumir.
Terra onde é preciso morrer para que posso nascer, crescer e dar fruto a semente que nela é lançada. A semente que foi a vida de Domingos foi uma semente lançada à terra, terra estrangeira, não ficou no aconchego da sua terra natal, terra que foi todo o mundo e não nenhum lugar em concreto. Como sugere o texto de Diogneto, também para Domingos toda a terra foi para ele pátria e, ao mesmo tempo nenhuma o foi porque a sua Pátria foi sempre o Reino.
Terra que se afirma pela busca do escondimento atrás do fruto que a sua família haveria de produzir no mundo, sabendo em feliz disposição de espírito que um é o que semeia, mas será outro que colhe do fruto semeado.
Terra que foi o solo sagrado onde reclinava a cabeça em longas noites de oração. Era, de fato o chão templo o lugar do seu repouso, não se lhe reconhecendo nas casas outro lugar de repouso onde o sacerdote em continuidade intercedia pelo seu povo, com gemidos inefáveis do afeto que o Espírito de Deus nele agitavam.
Terra que era de Deus e não sua, que só se pode tocar mas não possuir, não tendo nenhuma possessão que não a que a pobreza lhe oferecia de ter tudo sem ter nada.
Foi este o seu testamento: amar este mundo amado de Deus, com os pés na terra e o olhar no Salvador e no Salvador de braços abertos sobre a Cruz para o imitar nessa capacidade de amar e, como Ele amar até ao fim: os seus filhos e filhas e toda a humanidade particularmente aquela que o grito da sua oração apresentava: “Que será dos pecadores?”
O seu testamento propõe-nos uma caridade sem limites, que se manifestam na humildade e na pobreza na qual tudo se perde e na qual tudo se ganha.
Fr. Rui Carlos Almeida Lopes, OP