“Deus sabe quanto eu tenho sofrido com este caso. A Ele não posso negar o sacrifício. Nele ainda confio. Ele saberá escrever muito direito nas linhas que os homens entortam”.
Olival, 8 de agosto de 1963
Estas palavras foram escritas num momento difícil para a vida do fr. João Leite: tinha sido colocado no serviço de capelão militar, o que acarretaria a sua ida para África no contexto da guerra colonial. Possivelmente haveria a necessidade de mandar alguém para este serviço uma vez que o fr. Reginaldo dos Santos regressava da Guiné nesse mesmo ano. Durante esta missão assumida com sacrifício pessoal, perderá o seu Pai no decurso do mês de março de 1965.
As palavras que acima se transcrevem, podiam ter sido escritas em outros momentos da sua vida, objetivamente ou subjetivamente o fr. João Leite sempre achou que mesmo quando os homens entortam caminhos Deus os mantém direitos.
O fr. João Leite nasceu na freguesia de Lomba, concelho de Amarante a 9 de outubro de 1931, mas, segundo cremos, cresceu em S. Romão, concelho de Seia. Era filho de José Leite e de Miquelina de Jesus. Tinha um irmão chamado Francisco da Silva Leite. Aí terá, por gente da sua terra e possivelmente alguma benfeitora, sido orientado para a Ordem Dominicana. Começou a sua formação em Aldeia Nova. Foi companheiro do fr. Armindo Carvalho e ambos foram da primeira geração desta Escola Apostólica.
Fez o seu noviciado em Santo Estevão de Salamanca onde professou a 25 de outubro de 1949. Fazia parte de um grupo de quatro dos quais só ele e o fr. Armindo permaneceram na Ordem.
Os estudos foram repartidos por três lugares distintos: Las Caldas de Besaya, província de Santander, em Espanha, onde estará no ano letivo de 1951 e onde em 1952 foi votado para a profissão solene; em 1953 estava na comunidade de Saint Alban, França, um convento da Província de Lião. Em 1954 encontrava-se no convento de São Maximino, França, convento da Província de Tolosa com interessantes perspetivas de fazer uma tese de leitorado sobre a Eucaristia. Sabemos que ainda aí se encontrava antes das férias de Verão de 1956 e aí terá feito o seu exame de confessor.
Foi ordenado presbítero em 4 de agosto de 1956 na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, pelo Sr. D. Francisco Rendeiro como o atestam as cartas testemunhais.
Celebrou a sua “Missa Nova” em S. Romão logo no dia 6 de agosto desse ano de 1956.
Este ano determinou o fim da sua formação e, possivelmente, o fim do sonho do leitorado que, entretanto, o fr. Armindo já tinha alcançado. A partir daí começou a sua vida apostólica, com variadas facetas, que desempenhou com generosidade até à sua morte.
Logo em outubro de 1956 o fr. João Leite encontrava-se em Lisboa no Colégio Clenardo com o seu diploma de professor do ensino particular, faceta do seu ministério que perdurou até à reforma por limite de idade. O trabalho devia ser abrangente e exigente porque foi dispensado do exame quinquenal em matérias teológicas e mesmo do segundo exame de confessor. Nesta comunidade foi membro do Conselho em 1959.
Não deve ter sido muito mais longa a estadia no Colégio do Clenardo. Pensamos que terá sido ecónomo nesta casa pois apresenta, em 1962, uma referência às contas do colégio do ano de 1960.
Em 1961 é nomeado “coadjutor” do Fr. Estevão Faria para a obra das vocações e já integra a comunidade de Aldeia Nova. Este trabalho das vocações vai durar até 1971, com interrupção dos anos de 1963-1965, em que foi capelão militar. Os documentos dão-nos aqui uma nota que o define: o rigor e a seriedade com que tomava as funções que lhe eram atribuídas. De fato, pede a sua demissão em 1971 por achar que não lhe eram garantidas as condições para poder desempenhar essa função.
Um outro serviço lhe foi pedido: o serviço nos meios de comunicação social. Vemos o seu nome ligado ao “Facho” ao “Traço de União” e a sua participação num encontro internacional dos “mass media” da Ordem.
Em 1973, sendo já membro da comunidade de Cristo- Rei no Porto fará um ano sabático em Madrid.
Integrou a comunidade do Barreiro entre 1979 e 1981 e voltou para o Porto, onde permaneceu o resto da sua vida.
Desde 1981 até ao presente há alguns aspetos da sua vida que não podemos deixar cair no esquecimento.
O primeiro: o seu serviço ao Conselho Económico da Província que integrou por umas três décadas. Muitos de nós fomos testemunhas do seu interesse e cuidadosa atenção com sempre neles participou.
O segundo: o seu carinho e atenção pelas fraternidades leigas. Desde os anos 90, quer como promotor provincial, quer como promotor local na fraternidade do Porto, foi exemplaríssimo na atenção e capacidade de se fazer delicadamente presente a todos.
O terceiro: o seu cuidado na preparação da celebração dominical que lhe era atribuída. A celebração dominical das 11.00 da qual tomou cargo durante muitos anos era marcada pela escolha atenta dos cânticos, que ensaiava com o coro desta Missa, e pela homília preparada e oferecida com um encadeamento claro que fazia com que a Palavra de Deus fosse luz para os que a escutavam.
O quarto: o seu amor à comunidade. O convento era a sua casa e, por isso, foi destes irmãos que sentia o convento como o seu lar e assim o cuidava e atendia.
Num breve cartão datado de 25 de outubro de 1985, no qual agradecia ao Provincial do momento as felicitações pelo aniversário de profissão escrevia de forma tão bela quanto elegante: “um muito obrigado, imensamente grande, pelo seu abraço e pela sua oração neste dia tão longe e tão perto da minha entrega ao Senhor nos irmãos”. O fr. João Leite viveu, do que me foi dado testemunhar, aquele intenso viver de uma juventude que vinha de longe, mas se fazia próxima a cada tempo e que não poderia ter uma outra fonte senão em Deus.
Fátima, 24 de novembro de 2021, memória dos mártires do Vietname
Fr. Rui Carlos Antunes e Almeida Lopes OP