Retiro: À MESA COM DOMINGOS
Fátima, 7 a 12 de Março 2021
1ª Conferência: O jubileu da santidade de Domingos
Em 6 de Agosto de 1221, S. Domingos falecia em Bolonha, deixando os seus religiosos chorosos pela sua partida, mas confortados pela sua promessa de que lhes seria mais útil no Céu que na terra.
A Ordem escolheu como ícone deste tempo de jubileu uma pintura em que S. Domingos é representado sentado à mesa. Esta “tavola”, como ficou conhecida, é um painel de 43/572cm, conservado na igreja bolonhesa de Santa Maria della Mascarella. Este lugar e foi a primeira casa que os dominicanos tiveram em Bolonha quando aí chegam em 1218, antes de se transferirem para S. Nicola delle Vigne sob os auspícios da família da Beata Diana Andaló.
Esta pintura é a mais antiga representação de S. Domingos. O nosso fundador está já cingido de uma auréola, o que indica já ter sido canonizado, o que aconteceu em Julho de 1234. A pintura foi indicada com sendo obra de um autor ignoto do norte de Itália e realizada entre 1235 e 1250. Por ser a primeira representação de S. Domingos, é importante refletir porque terá sido essa a forma escolhida para o fazer. Certamente que tem a ver com a referência com o célebre milagre de Domingos no convento de S. Sixto (milagre ao qual voltaremos num outro momento) mas o significado desta representação vai certamente mais longe.
S. Domingos é representado rodeado por 24 irmãos (12+12), algum comentador diz que parecem vir de todas as partes da Europa, talvez para um Capítulo Geral, que naqueles tempos era anual, e se reunia uma vez em Paris e outra em Bolonha. Mais que qualquer milagre que aqui não se encontra figurado vê-se apenas um irmão no meio dos irmãos à mesa e este é definitivamente a coisa mais importante e cheia de consequências.
Na carta com que o Mestre da Ordem abre este ano jubilar afirma o seguinte:
« Le thème de la célébration du jubilé est À table avec saint Dominique, qui s’inspire de la table Mascarella, la table sur laquelle le premier portrait de saint Dominique a été peint peu après sa canonisation. Ainsi, nous célébrerons saint Dominique non pas comme un saint seul sur un piédestal, mais comme un saint jouissant de la communion d’un repas avec ses frères, réunis par la même vocation de prêcher la Parole de Dieu et de partager le don de nourriture et de boisson de Dieu ».
Gostava de sublinhar duas ideias que me parecem fundamentais: a primeira a ideia do pedestal. Muitas vezes as imagens dos santos estão mesmo sobre um pedestal que, de alguma maneira, nos leva a pensar na distância entre o santo e a nossa vida. Devo dizer que não tenho nada contra isso, mas devemos estar despertos para uma ideia de santidade mais próxima, atrevo-me a dizer mais humana e menos celestial. Fico contente que a primeira representação do nosso Pai seja a de um homem, embora nimbado pelo sinal da santidade, próximo, alegre irmão entre os irmãos à volta de uma mesa. Nada de extraordinário, tudo é próximo, tudo é humano.
Há outras representações de Domingos que eu gosto muito. Aprecio uma do El Greco, Domingos parece uma tímida flama de uma vela, que certamente alumia e aquece, ou de Angélico, tão conhecida acentuando o seu aspeto contemplativo. Mas esta é a primeira de todas: a de um irmão entre os irmãos, partilhando com eles o pão. Esta é uma dimensão da santidade de Domingos que nunca é demais enfatizar.
A segunda dimensão é a de uma santidade que cresce na fraternidade, não cresce sozinha, não é uma coisa rara. O santo aparece muitas vezes como uma coisa rara, com dons que o afastam do comum dos mortais. Nada de uma santidade rara, mas também nada de uma santidade a florescer à margem da fraternidade. Esta santidade de Domingos manifesta-se antes de mais na vivencia com os outros, na construção da comunidade, no ser como lhe foi chamado “consolator fratrum”. Podemos conceber a santidade com o conceito “de apesar de…” para perceber uma santidade com os outros, uma santidade ao serviço dos outros”.
Ao refletir nestas coisas vem-me ao espírito esta passagem da Escritura:
“1 A sabedoria construiu sua casa; ergueu suas sete colunas.
2 Matou animais para a refeição, preparou seu vinho e arrumou sua mesa.
3 E enviou as servas para fazerem convites desde o ponto mais alto da cidade, clamando:
4 “Venham todos os inexperientes! ” Aos que não têm bom senso ela diz:
5 “Venham comer a minha comida e beber o vinho que preparei”.
A santidade de Domingos aparece-nos como uma refeição que Domingos preparou para nós, foi ele que no-la preparou para nós e essa refeição parte da experiência da vida fraterna.
A Regra de S. Agostinho que todos professámos começa por lembrar:
“1. Isto é o que vos mandamos observar a vós que estais no mosteiro.
2. Em primeiro lugar, já́ que para isto vos reunistes na comunidade, vivei unânimes na casa e tende uma só́ alma e um só́ coração dirigidos para Deus.
3. E não tenhais nada como próprio, mas tudo vos seja comum.”
O nosso último Capítulo Geral manifesta grande preocupação por um mal que é muito próprio da vida religiosa dos dias de hoje: o individualismo. Os meios tecnológicos, que são uma grande mais valia dos dias de hoje, nem sempre ajudam a uma sã relação com os irmãos. O individualismo é uma ameaça real para a nossa vida comum.
Certamente não chegaremos ao que eu próprio observei aqui há uns anos num restaurante de Roma: cinco pessoas à mesa interagindo cada uma com o seu telemóvel e, por meio dele, comunicando com alguém que ali não estava, mas não comunicando com quem estava ali à sua frente.
A nossa época e as nossas comunidades não escapa vive graves deficiências na capacidade de comunicar. Os meios tecnológicos ajudam e agravam um mal que sempre encontrámos: estar dentro com o coração fora.
A santidade de Domingos ajuda-nos a perceber uma forma de santidade orientada para o irmão/irmã, que vive contigo, que está ao teu lado, com o qual deves estabelecer uma relação profunda: “um só coração e uma só alma” Ac 4,32.
Um quadro traça um modelo de santidade daquele a quem chamamos Pai. A santidade de Domingos gera comunhão, gera família, gera fraternidade numa dimensão que somos chamados a descobrir e a aprofundar.
O meu percurso nestes dias de retiro é descobrir os diversos lugares onde Domingos se sentou à mesa, mesa lugar de comunhão, lugar de escuta, lugar de conversão, lugar de decisão. Vamos revisitar textos nossos conhecidos da vida de Domingos, não pretendo dizer nada de novo, desejo tão somente que a contemplação de Domingos reacenda em nós a beleza e o sentido da nossa vocação.
Na celebração que deu início ao jubileu o Arcebispo de Bolonha, Cardeal Zuppi afirmou: “esta mesa convida-nos à festa e à convivialidade. S. Domingos ensina-nos a vestir o vestido de festa, porque esta mesa é alegria, é plenitude…”
Contemplamos uma santidade tão humana, tão próxima, tão alegre, tão afetuosa.
Desde já peço desculpa por todas as vezes em que não poderei dizer por palavras capazes aquilo que só o coração pode exprimir. Tudo isto só se descobre se nos sentarmos à mesa com Domingos e isto é o convite para o nosso percurso.
Não sejamos como o Mr. Bean que adormecia olhando para os quadros que tinha por missão guardar. Nós temos um quadro onde um projeto de vida se desenha para nós.
Fr. Rui Carlos Almeida Lopes, OP